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Congresso espanhol mostra que ainda tem fôlego para reunir chefs de peso e debater temas relevantes ao universo da gastronomia e do mundo

Josep Roca, sommelier e chefe de sala do El Celler de Can Roca. Foto: Jose Ramon Ladra


“A cozinha pode ser uma ferramenta de transformação e reivindicação.” Foi com tal afirmação que Joan Roca começou sua apresentação no 18° Madrid Fusión, congresso de gastronomia que ocorreu no início desta semana na capital espanhola. O chef do premiado El Celler de Can Roca aproveitou seu espaço no palco para apresentar o menu servido aos chefes de Estado presentes durante a COP25, a Conferência do Clima, realizada em Madri em dezembro. Chamado de ‘La Tierra se Agota’ (A Terra Se Esgota), Roca aproveitou o convite para provocar os importantes comensais sobre as mudanças climáticas e as questões sociais que o planeta enfrenta. Com pratos criativos, botou literalmente os problemas à mesa, desde a falta de água limpa na África à necessidade de diminuir o consumo de carne (o prato principal foi feito com beterraba e melancia) e de fomentar uma cadeia socialmente mais justa para produtores, como os de cacau na América Latina.

Roca fez ainda questão de incluir um rótulo de vinho chileno em homenagem ao país que deveria ter sido a sede do encontro – devido ao momento político que enfrenta, o evento foi transferido para a capital espanhola.

O chef ainda aproveitou para anunciar a inauguração, nas próximas semanas, da Casa Cacao, que vai funcionar como um misto de fábrica, loja e hotel. O espaço será dedicado ao chocolate artesanal, produzido com amêndoas de países como Peru, Colômbia e Equador. O projeto é tocado por Jordi, o irmão Roca especializado em confeitaria, que visitou esses países para conhecer a cadeia local e comprar o cacau direto dos produtores por um preço mais justo.

Prato de Joan Roca, com beterraba e melancia, para alertar sobre o consumo excessivo de carne. Foto: Madrid Fusión

Na terça-feira, foi a vez de outro Roca, Josep, subir aos palcos do congresso. O sommelier e chef de sala do restaurante em Girona abordou um tema pouco comum para o evento, mas cada vez mais relevante: como as intolerâncias e alergias se tornaram um grande desafio para os restaurantes. Nos últimos 15 dias, mais de 92 pessoas que estiveram no Celler alertaram ter algum tipo de alergia ou intolerância. “O que é mais importante: o ego do chef ou a satisfação do nosso cliente?”, questionou. Também mostrou como o restaurante se organiza para receber esse público e ressaltou que é preciso cada vez mais estudar e treinar a equipe para lidar com tais questões.

O chef australiano Josh Niland – anote esse nome – também lotou o auditório principal ao apresentar seus métodos de maturação de peixes frescos. As técnicas desenvolvidas pelo chef, que incluem secar os peixes com panos de papel, conseguem aumentar a vida útil dos pescados em até um mês. Autointitulado “fish-butcher”, ou açougueiro de peixes, ele lançou no último semestre um livro sobre sua pesquisa, The Whole Fish Cookbook: New Ways to Cook, Eat and Think (algo como Caderno de Receitas do Peixe: novas formas de cozinhar, comer e pensar), bastante elogiado.

Outro estrangeiro que lotou o auditório principal foi o alemão René Frank, do Coda Dessert Dining (Berlim), único restaurante com estrela Michelin com menu-degustação só de sobremesas. Apesar de trabalhar somente com receitas doces, o açúcar refinado não entra em sua cozinha.

“O açúcar industrial limita a criatividade do confeiteiro.” Ele abriu sua apresentação com essa frase e mostrou as diferentes maneiras que usa para extrair o dulçor dos alimentos, sejam eles doces ou salgados, como vegetais e até peixe, por meio de técnicas como fermentação e conservas.

Inteligência artificial na gastronomia

A inteligência artificial já chegou à cozinha e foi assunto em dois painéis da Madrid Fusión 2020. Na segunda-feira, foi apresentado um aplicativo capaz de prever tendências gastronômicas, que gerou polêmica entre os participantes. Entre eles, Daviz Muñoz, o controverso chef do DiverXo (Madri). “Na alta gastronomia, não há espaço para tendências”, disparou, sendo aplaudido. Ele alertou para o risco de a cozinha acabar sendo menos humana e ser usada pela grande indústria para lucrar ainda mais.

Num segundo momento foi apresentado um projeto da Sony que, por meio de um gigante banco de dados — que cruza diferentes variáveis como receitas, ingredientes, moléculas, cor, geolocalização, clima e sazonalidade —, quer se tornar uma ferramenta para inspirar chefs a criarem receitas. O aplicativo, ainda em teste, será alimentado pelos cozinheiros, conforme o uso. O porta-voz da Sony encerrou a apresentação com a pergunta: “A inteligência artificial será o próximo ingrediente da gastronomia?”.

Foto: Paladar Estadão

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