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Salsichões, embutidos, kassler, eisbein e lombos Berna: sabores gourmet da Brasalimentos Indústria e Comércio

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Valerio Fabris

Em 1984, portanto há 35 anos, despontava na cidade paulista de Louveira uma indústria que hoje produz 120 toneladas mensais de salsichas, linguiças, salsichões, defumados, patês, petiscos e temperos da marca Berna, empregando 130 funcionários. Desde então, a obstinação perfeccionista tem permanecido como o mais acentuado traço de personalidade da empresa, desde o seu nascimento, com o fundador Hans Häfeli (falecido em agosto de 2014), até a atual gestão, presidida pelo filho Hanspeter (ou Pedro, como se costuma chamá-lo na informalidade), de 64 anos de idade.

A Berna não é um abatedouro. É uma indústria, cujo processo de produção se inicia com a seleção e compra das matérias-primas, que são cortes especiais das carnes suína e bovina. Da empresa faz parte um sítio de cultivo orgânico, no qual se colhem repolho, utilizados na fabricação própria de chucrute. Tanto Hans quanto o atual presidente Hanspeter (ou Pedro) tornaram-se especialistas no setor de carne na pátria natal dos Häfeli, a Suíça. Nos anos 1940, o pai formou-se profissionalmente em uma corporação de ofícios de açougueiros e salsicheiros.

Entre 1979/82, portanto quatro décadas depois, o filho passou pela mesma aprendizagem da corporação de ofícios suíça em que se formou o seu progenitor. A meta-síntese que baliza toda a história da Berna, conforme disse Hanspeter, é a prática de padrões germânicos, nos 360 graus do processo produtivo. A fábrica de Louveira foi inaugurada em 1982, inteiramente dotada de máquinas e equipamentos importados da Suíça e Alemanha.

O toque do sabor artesanal certificado pelo Serviço Federal de Inspeção


Junto com o rigor técnico, imprimiram-se à rotina da empresa os procedimentos cotidianos de uma pequena/média produtora suíça ou alemã de linguiças e embutidos. Entre as regras de conduta adotadas estão a pontualidade no trabalho e na entrega das mercadorias, a higiene, a aplicação dos requisitos legais da inspeção sanitária, com a ressalva de que sempre se utiliza o mínimo exigido de aditivos conservantes, antioxidantes e estabilizantes, conforme os parâmetros do Serviço de Inspeção Federal (SIF).
Ou seja: o posicionamento mercadológico, como descreve Hanspeter, é o da tradição germânica, aproximando-se os produtos Berna às características observadas nos alimentos elaborados no modo da fabricação artesanal. Ele acentua que se obedecem, no entanto, “os mais rígidos processos de inocuidade”, com a devida identificação de rastreabilidade, por meio da qual podem ser conferidas todas as informações relativas aos processos de produção e de transporte das carnes, salsichas, embutidos e demais mercadorias que fazem parte do extenso portfólio Berna.

Do ponto de vista da gestão do negócio, de acordo com o presidente da Berna, jamais se recorreu a empréstimos para a realização dos investimentos de melhoria e expansão, valendo-se unicamente do capital próprio. Na ideologia empresarial da família constam princípios que passaram de pai para filho e agora se incorporam à terceira geração dos empreendedores da marca Berna.

O primeiro deles é o de que a gestão seja sempre guiada por um objetivo claro e imutável. A constância e a perseverança, tijolo sobre tijolo, conforme explana o dirigente da Berna, edificam as melhores e mais duráveis obras. “Não se chega a um bom lugar – e muitas vezes não se chega a lugar algum – quem fica mudando de direção”.
Outro pré-requisito para o sucesso do negócio de pequena escala é que, em setores dominados por megaempresas, tal como ocorre na área industrial de carnes, se eleja uma imutável opção pelo mercado de nicho, demarcando-se determinado público-alvo. Do mesmo modo, torna-se imprescindível que se circunscreva uma limitada abrangência geográfica de comercialização, priorizando-se as cidades e regiões mais densamente habitadas por consumidores exigentes de qualidade e, deste modo, potencialmente mais fiéis à marca.

No lado oposto aos nichos da pequena escala estão as corporações voltadas aos mercados de massa. Escalas gigantescas requerem a compra de largas quantidades de matérias-primas e, ainda, a adição de corantes e conservantes no limite máximo instituído pelo SIF. Assim, consegue-se compatibilizar a veloz produção de larga escala com a necessária segurança dos alimentos embarcados em caminhões ou contêineres navais, cujos destinos são os distantes mercados globais ou regionais. No caso do Brasil, isso significa uma complexa logística, considerando-se que se trata do quinto país do mundo em extensão territorial, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados.
Os produtos classe A e B degustados nas grandes festas alemães e dos colégios.

Os suíços acumulam uma histórica tradição de nichos da alta qualidade, sendo o exemplo mais notório a mecânica de precisão de sua indústria relojoeira. O país natal do pioneiro Hans Häfeli tem 4,2 mil km² de extensão, correspondendo a 0,5% do território brasileiro. O principal atributo das relações interpessoais e do empreendedorismo na Suíça é a confiança, o que explica o fenômeno de esse minúsculo país (a décima-nona economia do mundo) há muitos anos permanecer no terceiro lugar na classificação global de reservas cambiais, sendo suplantado pela China e pelo Japão, demonstrando-se que é um porto seguro para aplicações financeiras.

O mapa comercial da Berna contempla supermercados e ‘delicatessens’ do estado de São Paulo (50% das vendas totais), além da cidade do Rio de Janeiro, de um ou outro centro urbano do Paraná, Santa Catarina, bem como de clientes isolados no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Brasília. O transporte dos produtos fracionados e resfriados é feito com frota própria e de terceiros, em pequenos veículos climatizados. Há vendas, ainda, para os eventos, entre os quais estão as festas germânicas e das nações, realizadas em cidades paulistas.

Embora os produtos Berna estejam mais ao alcance de consumidores das classes A e B, eles chegam ao grande público em celebrações populares, como as da BrooklinFest, realizada duas vezes por ano no bairro paulistano do Brooklin, ou nas festas das nações, entre as quais figuram as das cidades do interior paulista, como Piracicaba, Indaiatuba e Cerquilho. No clube de Araras (SP), a marca está presente no tradicional Piscina Fest, anualmente promovida em novembro.
Chef Heiko Grabolle: “recomendo muito os produtos Berna, autenticamente europeus”.

Hanspeter Häfeli está negociando uma parceria com os organizadores da Oktoberfest, o megaevento que se realiza, desde 1984, na cidade catarinense de Blumenau. Nesses acontecimentos, os brasileiros situados nos extratos médios de menor renda têm condições de provar vários dos 100 produtos constantes do portfólio Berna, como salsichões, linguiças, embutidos, almôndegas, lombos defumados, joelho de porco (eisbein) ou kassler (carré suíno defumado).

O maestro e arranjador da gastronomia da Oktoberfest, em que são servidos anualmente 85 mil pratos (sendo 36 mil salsichões), é o chef alemão Heiko Grabolle, que emigrou para Santa Catarina em 2003. Ele consagrou-se como a principal personalidade estadual da cozinha de raízes germânicas, sobretudo nas cidades de Joinville (região Nordeste), em Treze Tílias (fundada por imigrantes austríacos, na região Oeste, a 420 quilômetros da capital) e as do Vale do Itajaí, onde há um colar de núcleos urbanos constituídos na segunda metade do século XIX por imigrantes alemães e pomeranos, tendo Blumenau com município-polo.
Heiko (pronuncia-se ‘rráico’) é o consultor/chef da Oktoberfest. Exerce esta dupla função também no Senac Santa Catarina, tendo assumido o alto posto de chef do Restaurante-Escola da instituição. Em entrevista telefônica à B&R, ele disse:

“Recomendo muito os produtos Berna, que correspondem ao padrão suíço e alemão. Os processos deles são autenticamente europeus. Conheço a família, os donos, tanto o pai Hanspeter quanto o filho João Rodolfo (hoje diretor comercial). Trabalhei com os produtos Berna na cervejaria e no restaurante Baden Baden, em Campos do Jordão (SP). Do mesmo modo, trabalhei com os produtos deles no Rio Grande do Sul. Os dirigentes da empresa têm interesse em participar da Oktoberfest, e a gente ainda está na fase de construção de uma parceria. São ótimos. Adoro eles”.

O presidente da Berna diz que, embora trabalhe com o foco direcionado para os nichos, resistindo aos apelos de produzir lasanhas ou outros alimentos que não se encaixam no seu ‘core business’ (negócio principal), quer que “todas as pessoas tenham a oportunidade de conhecer produtos Berna, entre os quais há aqueles feitos por encomendas sob medida para o ‘food service’ (alimentação fora do lar)”. Ele assim justifica este posicionamento mercadológico: ‘Faz parte da nossa filosofia a democratização do acesso aos produtos Berna, por meio de eventos como os das festas alemãs e as dos colégios”.

Ao lado das vendas a compradores de redes do setor de “food service”, a Berna também atua no segmento de “catering” (suprimento de comida preparada) para aviação. “A gente não quer expandir demais. Queremos crescer, sim. E de fato sempre crescemos. Mas isso sem jamais perder de vista que o nosso objetivo é o de nos fortalecemos dentro do nicho, preservando as inigualáveis características de produtos tradicionais, com os rígidos padrões sanitários do SIF, que são válidos e muito respeitados em toda a Europa”.

De Zetzwil a Louveira, três gerações no mesmo
foco do nicho, da qualidade e pequena escala


Durante a Segunda Guerra, o pequeno território da Suíça foi cercado pelo exército de Adolf Hitler. A população pôs-se a plantar batatas onde podia: nos jardins de casa, nas áreas de campo aberto, nos canteiros centrais das ruas. A invasão não ocorreu. Mas a tensão perdurou nos seis anos do conflito, que se estendeu de 1939 a 1945. As batatas seriam a maneira de se garantir que não se passasse fome.

Os nazistas admitiram a derrota em 8 de maio de 1945. Quatro meses depois, era vez de o ministro do Exterior do Japão, Mamoru Shigemitsu, assinar a rendição japonesa. A Suíça desanuviou-se. Hans Häfeli, jovem de 20 anos de idade, era filho de uma família de camponeses. Seu pai tinha um pequeno sítio em Zetzwil, comunidade que hoje tem 1,3 mil habitantes, situada no Cantão da Argóvia, quase na fronteira com a Alemanha.

O jovem decidiu, naquele ano, se tonar um açougueiro/salsicheiro. Para tanto, ingressou em uma das corporações de ofício, instituições da sociedade civil que em vários países da Europa são consideradas centros de formação profissional de excelência, desfrutando de uma respeitabilidade equivalente à dos graduados nas universidades. As corporações de ofício capacitam profissionais imprescindíveis à vida cotidiana, como marceneiros, eletricistas, metalúrgicos, encanadores ou açougueiros, como era o caso de Hans.

Ele se tornou, assim, especialista em cortes especiais, quando a Argentina e o Uruguai haviam despontado, internacionalmente, como dois dos principais países exportadores de carne bovina. No final dos anos 1960, Hans mudou-se para Montevidéu, deixando na Suíça a namorada Roselie, nascida em Berna, a 90 quilômetros de Zetzwil. Ela acabou também mudando-se para a capital uruguaia, onde casaram-se.

Durante aproximadamente cinco anos, Hans trabalhou na seleção e na exportação de cortes especiais de carne para a Suíça e outros países europeus. Em 1964, ele e a esposa mudaram-se para a cidade de São Paulo. Hans abriu uma butique de carne, voltada à venda dos cortes especiais aos consumidores paulistanos. Era uma inovação no cenário do varejo de um município que, na época, tinha 3,8 milhões de habitantes (a estimativa atual é de 11,1 milhões de residentes).

O imigrante resolveu também adquirir uma fazenda, na região de Campinas, para criar novilhos, que seriam vendidos aos abatedouros. Assim, introduziu as carnes de vitelo no mercado brasileiro. Persistiu nessa atividade até saber que em Louveira, no interior de São Paulo, estava à venda um frigorífico desativado e abandonado. Seu intuito não era o de abater animais, ofício que jamais exerceu. Almejava, no entanto, estender o conceito de “boutique de carnes” a uma linha de produção industrial.

Hanspeter, um dos três filhos de Hans e Rosalie, viajou para a Suíça, em 1979, onde permaneceu por três anos, integralmente dedicado à aprendizagem industrial de cortes de carne e da produção de embutidos. Lá, concluiu o mesmo curso técnico de açougueiro/salsicheiro em que o pai havia se formado no pós-Guerra. Em 1982, Hans efetivou a compra da desativada fábrica de Louveira, cidade que fica a 13 Km rodoviários de Jundiaí e a 20 Km de Campinas.

A partir de então, o pai e o filho (que estava com 27 anos de idade) compartilharam o comando da empresa, que recebeu, na razão social, o nome tendo nos produtos a marca Berna, referência à terra natal de sua mãe. Da antiga fábrica, surgiu uma empresa inteiramente nova. O jovem dirigente havia importado todas as mais avançadas máquinas e equipamentos, com as quais lidou no seu curso de açougueiro/salsicheiro.

O percurso da Brasaliment/Berna resulta de uma sedimentação da história familiar, desde o cerco nazista de 1939/1945, em que todas as experiências vividas pelo pai e pela mãe acabaram por constituir camadas de um só objetivo imutável: a produção e comercialização no Brasil das carnes e embutidos com o padrão suíço-germânico, voltados aos nichos de consumidores exigentes de qualidade. Nesse consistente enredo, está em curso a emergência de uma terceira geração no comando da empresa, que são os netos dos pioneiros Hans e Roselie.

O filho João Rodolfo já dirige a área comercial. Outro filho, Artur, está na Suíça, onde permanecerá por um ano, aprofundando seus conhecimentos sobre a área técnica da indústria de carnes, salsichas e embutidos diversos. Pérola, a esposa de Hanspeter, formada em Química, é a responsável pelos planos de segurança alimentar (incluindo a abordagem sistemática denominada APPCC, isto é, a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle, as boas práticas de fabricação, o cronograma de treinamentos, o programa de dedetização), além de exigências do Serviço de Inspeção Federal (SIF).

Hans Häfeli faleceu em agosto de 2014, aos 90 anos de idade. A matriarca Roselie está com 89 anos. As duas irmãs de Hanspeter são Mônica (proprietária do restaurante Malba) e Cristiana (dona do restaurante suíço Florina e do bar Platz). Os três estabelecimentos localizam-se no bairro paulistano de Campo Belo, na Zona Sul da cidade.

O paladar de um “gourmand” viajante

Consumidor habitual dos produtos Berna, o psiquiatra mineiro Jansen Campomizzi diz que os salsichões, o eisbein ou o kassler da fábrica de Louveira estão à altura do que experimentou nos restaurantes da cozinha alemã de Berlim, Moscou e Varsóvia, em viagens internacionais com a esposa, a advogada Silmara Vidal. Ele compra os produtos no Supermercado Verdemar, a rede de Belo Horizonte com mais ofertas de alimentos “gourmet”.

Um ‘gourmand’ (apreciador a gastronomia) que viaja pelo mundo de avião e, às vezes, de motocicleta, Campomizzi diz que o fato de se utilizarem nas carnes e embutidos Berna os ingredientes de qualidade, e também o mínimo de sódio, conservantes e aditivos em geral, é a primeira evidência de que os produtos “se aproximam muito do original das carnes, sem a artificialidade das que são industrializadas ou processadas em larga escala”. Ou seja, como resume ele, “o paladar fica alinhado com o de uma cozinha caseira feita com a melhor arte da gastronomia”.


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