abrasel

A grande maioria dos brasileiros tem sede daquilo que nunca viveu: a de pertencer a uma comunidade. A nação surgiu de cima para baixo. Desembarcou-se das caravelas o pacote completo: os monarcas, a igreja, os militares e os burocratas. Tudo de cima para baixo. Avessos ao trabalho manual, sequestram-se da África cinco milhões de escravos, correspondendo a 40% do mais vasto e duradouro tráfego negreiro mundial, que durou 350 anos. A escravatura era um empreendimento estatal, comandado pelo imperador. A escravidão brasileira foi o maior e mais longevo empreendimento estatal do planeta. Os padres eram funcionários públicos, e cada um deles tinha direito ao seu cativo.

Passados cinco séculos, permaneceram os resquícios de uma sociedade de castas. Nas cidades, as classes estão até hoje divididas geograficamente. Os mais pobres estão nas periferias das periferias, com precaríssima infraestrutura de transporte, moradia, limpeza urbana, escola, postos de saúde, parques, segurança pública. Moram distantes do trabalho, muitas vezes com viagens de (ida e volta) três ou quatro horas diárias. Quando não estão longamente nos pontos de ônibus, ficam de castigo nas filas da saúde e dos documentos.

Há os que tentam furar o bloqueio que foi cimentado em nossa história. Resolvem montar o seu negócio. De cara, enfrentam uma das maiores burocracias do mundo, com longo tempo para registrar a empresinha, e outro tanto para conseguir o alvará disso ou daquilo. Geralmente precisam de um financiamento, e se deparam com as maiores taxas de juros da Terra, em um dos mais verticalizados sistemas bancários que se tem notícia em todos os continentes.

É assim que se forma a larga e espessa base da pirâmide socioeconômica brasileira. O Estado inchado, burocratizado e ineficiente impede que se fure essa gigantesca cápsula da desigualdade, porque o Estado é acima de tudo estatizante, contrário ao empreender, avesso à livre iniciativa, e favorável a um discurso da igualdade, ao mesmo tempo em que, hipocritamente, pratica a diuturna e perene desigualdade. O Estado brasileiro, dormindo, sem fazer absolutamente nada, gasta consigo mesmo 25% da renda nacional. Naquele dia do feriadão, do ponto facultativo e das greves gerais, o Estado consome um quarto do Produto Interno Bruto (PIB).

No retorno ao expediente normal, quando bota o paletó na cadeira, passa a consumir 40% da renda nacional. Ou seja, dois quintos do PIB. Para tanto, lança sobre os brasileiros uma carga tributária de 34%, em que os maiores impostos são os incidentes sobre o consumo. Ou seja: os maiores impostos recaem sobre os mais pobres. A farra estatal é imensa. São 20 mil cargos federais de livre nomeação. Os Estados Unidos, em relação ao Brasil, tem um território nacional 10% maior, uma população 60% maior, e uma renda per capita 300% maior. No entanto, conta com 8 mil cargos federais de livre nomeação.

Assim caminha a nossa desumanidade. A aposentadoria média do trabalhador, pelo INSS, é de R$ 1.300,00. A de um funcionário do Congresso Nacional é de R$ 27 mil. No Judiciário, de R$ 18 mil. No Ministério Público, de R$ 15 mil. Enquanto isso, o alto funcionário estatal, aquele dos gabinetes de Brasília, torna-se um rei perto do sofrido funcionário público – seja o do governo federal, dos Estados ou dos municípios – que está ensinando os alunos em uma universidade, em uma escola do ensino médio ou num grupo escolar.

A injustiça, dentro do próprio Estado (assim entendido no sentido amplo) é inenarrável. Basta a gente olhar para os fiscais das estradas ou das florestas, os guardas das fronteiras, os profissionais dos postos de saúde, os lixeiros etc. Esses batalhadores merecem maiores salários e mais consideração. Que haja menos batedores de carimbo, e mais gente na linha de frente do serviço público, uma gente melhor remunerada e bem equipada. Cortando-se os excessos lá de cima, sobra espaço no orçamento para os aqui de baixo.

Para se resolver a imensa desigualdade brasileira, precisamos desinflar o Estado. Fazer com que o Estado funcione muito menos para si mesmo, e muito mais para o cidadão. Devemos também aprofundar os programas sociais, com assistência e proteção aos mais pobres, por meio de programas amplamente discutidos com a sociedade, de forma transparente. E temos que facilitar a vida de todos os batalhadores, os que, juntos com os pequenos empreendedores, buscam alternativas para a melhoria geral de renda e de emprego. Temos de desmontar a verticalização do sistema bancário, que pratica os maiores juros do universo, explorando os brasileiros que diariamente já padecem nas longas filas de um Brasil que não anda.

Precisamos acabar com os governantes que sejam fundamentalistas do Estado e/ou fundamentalistas do mercado financeiro. Democracia e livre mercado, com inclusão social. Menos Estado, com inclusão social. Liberdade para cada um exercer as suas orientações pessoais e o que lhe é direito, com inclusão social. Eis o perfil dos nossos candidatos. Sendo deste jeito, com ética e espírito público, aquele que você escolher é o melhor candidato que se pode ter. É o candidato de um país chamado Brasil, de um Brasil que seja verdadeiramente de todos os brasileiros.

*Paulo Solmucci é presidente da Abrasel e da Unecs

Comentários