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Artigo publicado por Paulo Solmucci* no jornal Correio Braziliense


Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública

O ministro Sergio Moro assinou recentemente portaria que instituiu um grupo de trabalho (GT) para avaliar medidas ao combate do contrabando de cigarros. No âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, haverá três integrantes: Polícia Federal, Secretaria Nacional do Consumidor e Assessoria Especial de Assuntos Legislativos. Na ocasião, também se incluiu a intenção de convidar os titulares dos ministérios da Saúde e da Economia para que, se assim desejarem, indiquem representantes.

Nos dias seguintes à edição da portaria, a iniciativa tornou-se alvo de uma saraivada de ácidas críticas de tributaristas, integrantes da Receita Federal, dirigentes de organizações civis de combate ao tabagismo e também de parlamentares — entre eles, o senador José Serra (PSDB/SP), que considerou “equivocada” a estratégia do ministro da Justiça e Segurança Pública.

O fato é que os tais críticos só olharam um dos inúmeros itens da pauta sugerida à análise do grupo de trabalho: o reequilíbrio do imposto sobre os cigarros. Não se atentaram — e talvez não tenham compreendido — ao que motivou a criação do grupo: o combate ao contrabando, ao crime organizado que tem hoje como uma das suas principais fontes de renda o cigarro (ilegal).

Moro colocou o dedo na ferida. Vasto número de atentos estudiosos e interessados em desvendar os roteiros da criminalidade tem pleno conhecimento de que o contrabando de cigarros é um ponto decisivo.

Dizia Teori Zavascki: “A cada pena que se puxa, vem uma galinha”. Daí, dizemos nós: os cigarros são as penas da galinha. A frase do falecido ministro do STF deve ser completada com o conceito de “siga o dinheiro”, prevalecente no Judiciário dos Estados Unidos e assumida pelo juiz da Operação Lava-Jato como uma de suas máximas.

O crime organizado é de fato muito bem organizado. Prioriza as ações e coloca em primeiríssimo plano o contrabando de cigarros — que se tornou inesgotável mina de dinheiro fácil. E esse problema só é viabilizado nos produtos campeões de tributação. Quanto maior é a carga de impostos, mais rentável é o contrabando.

Temos 17 mil quilômetros de fronteiras secas, que representam cinco vezes a extensa fronteira entre Estados Unidos e México. Precisamos colocar em prática o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sinfron), lançado em 2012, mas até agora não saiu do papel. Só com tecnologia é que se pode realmente exercer a vigilância em tamanha divisa geográfica.

Esse é assunto que a gente acompanha de perto. Há 1 milhão de bares, lanchonetes, quiosques, cafés e restaurantes espalhados pelo Brasil inteiro. Todos eles de portas escancaradas para as calçadas e esquinas das 5,7 mil cidades do país, onde moram 85% da nossa população. Somos os olhos e os ouvidos da nacionalidade. Volta e meia, a gente vê um sujeito sentado num caixote, e ali chega uma criança, um adolescente que pagam, pegam um cigarro e vão embora.

Homens e mulheres compram o maço do cigarro paraguaio Eight por R$ 2,50. Enquanto um dos cigarros mais baratos da empresa líder brasileira (que emprega, paga impostos, segue a regulamentação da Anvisa e a legislação do país) custa R$ 6,75. O resultado disso é que só em cigarros (ilegais) a sonegação é de R$ 11,5 bilhões a cada ano.

De cada dois maços de cigarros vendidos no Brasil, um é contrabandeado. Essa dinheirama é o caixa dos bandidos, o capital de giro da criminalidade. A logística montada para fazer os cigarros atravessarem as fronteiras e se infiltrarem por todas as frestas do território nacional é simultaneamente usada para contrabandear, distribuir e comercializar armas, drogas, brinquedos, bebidas, perfumes, remédios, roupas, tênis, óculos. É com o faturamento do contrabando que se monta a indústria de explosão de caixas eletrônicos, de roubo de cargas, arrastões, corrupção de agentes públicos, falsificação de documentos, hackers etc. Etc.

Ora, o enigma deve ser decifrado ou não? A resposta é óbvia. Sem o diagnóstico, a gente erra de problema. É claro que ficar unicamente nisso é simplificar demais uma trama excessivamente complexa. Somente com um conjunto de ações seria possível combater um contrabando, que passa por revisão no sistema tributário, por um trabalho efetivo de fiscalização e controle maior em nossas fronteiras e por melhor infraestrutura para equipar nossas polícias, além, é claro, de acordo e operações em conjuntos com outros governos dos países vizinhos.

A Abrasel faz parte de coalizão de confederações classistas de livre adesão, denominada União de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs). Em agosto do ano passado, os filiados a Unecs realizaram em Brasília o maior encontro, até então, promovido entre os candidatos à Presidência da República. Um dos temas de maior destaque, junto com o ajuste fiscal e a reforma previdenciária, foi o do contrabando.

No evento, denominado Diálogo com os Candidatos, Ciro Gomes (PDT) disse que “o Brasil virou o maior entreposto de drogas do planeta”; Henrique Meirelles (MDB), por sua vez, afirmou que “o contrabando de mercadorias prejudica a atividade econômica do país como um todo, uma vez que há a dupla questão da criminalidade e da gigantesca sonegação tributária”; Geraldo Alckmin (PSDB) alertou que “o combate ao contrabando tem de ser prioridade do governo federal” e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) observou que iniciativa como o Sifron “se paga e não tem custo porque redundará em “ganhos tributários imediatos”. O ministro Sergio Moro está certo, certíssimo. Seus críticos é que erram, e muito.

*Paulo Solmucci é presidente-executivo da Abrasel

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