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Artigo de opinião de Paulo Solmucci para o jornal Correio Braziliense.

A experiência peruana aponta o caminho das pedras que o Brasil deve seguir para se tornar um dos principais destinos gastronômicos globais. Em 2004, autoridades e chefs daquele país andino decidiram mostrar ao mundo a sua singularíssima alta cozinha, diferenciada de tudo o que se conhecia internacionalmente. Despontava-se uma gastronomia de pratos elaborados nas melhores técnicas francesas, porém, a eles acrescentando-se os ingredientes extraídos de plantas alimentícias desconhecidas no universo gourmet.

Até então, somente as famílias residentes nas mais remotas aldeias e vilas do Peru é que faziam uso desses seculares ingredientes. Eis que as plantas alimentícias não convencionais passaram a ser apresentadas aos alunos dos restritos ambientes das escolas de gastronomia. Essas plantas também vinham discretamente sendo introduzidas nos cardápios dos chefs. Os múltiplos tipos de batata, que se constituíram na alimentação básica das tribos incas, começavam a ser redescobertas pelos chefs e respectivos aprendizes.

Na renovada volta ao passado, ressurgiam no Peru alimentos que eram de largo uso comum no período pré-colombiano: amarantos, quinoas, chias orgânicas e ceviches. O despertar para a biodiversidade gastronômica chamou a atenção de segmentos mais esclarecidos das esferas oficiais, que resolveram apoiar o movimento liderado por Gastón Acurio, um chef graduado na sede parisiense da Le Cordon Bleu, considerada como a mais prestigiosa rede global de escolas da alta gastronomia.

As articulações culminaram em desdobramento de grande impacto. Na edição 2006 do congresso espanhol Madrid Fusión, Lima foi declarada capital gastronômica da América. Este foi o ponto de inflexão. O povo peruano entrou em estado de euforia. A alegria nacional ganhou proporções ainda maiores, quatro anos depois (2010), quando o escritor MarioVargas Llosa recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.

Gastón Acurio eVargas Llosa alcançaram uma popularidade sem precedente entre seus conterrâneos. Em 2009, o escritor afirmou ao jornal espanhol El País: “Se alguém me dissesse há alguns anos que um dia eu veria viagens gastronômicas ao Peru sendo organizadas no exterior, não teria acreditado”. O fato é que os efeitos dessa expressiva conquista perduram até hoje. Em 2018, registrou-se o sétimo ano consecutivo em que se elegeu o Peru como o melhor destino gastronômico do mundo, na premiação da World Travel Awards, equivalente ao Oscar do Turismo.

O salto na qualidade de vida no Peru refletiu-se na paisagem urbana de Lima. Na cidade há mais restaurantes especializados em ceviche do que hamburguerias e pizzarias. Deu-se uma acentuada qualificação no turismo e no comércio da capital, realizando-se eventos anuais como o Festival Gastronômico Internacional. Em 2018, completou-se a décima edição consecutiva dessa feira de rua, que atrai mais de 500 mil visitantes por ano.

Quando se olha pelo retrovisor da história, vê-se que, no Brasil, ocorreram iniciativas de se combinar a alta gastronomia com ingredientes da cozinha de raízes históricas. O precursor do movimento foi um jovem chef francês Laurent Suaudeau, que, aos 22 anos de idade, havia sido designado pelo seu mestre, o chef Paul Bocuse, para comandar a cozinha do recém-inaugurado Hotel Méridien, em Copacabana.

Fascinado pela imensidão da diversidade de plantas alimentícias e pescados do Rio de Janeiro e outras regiões do país, Laurent pouco a pouco acrescentou aos pratos ingredientes como a tapioca, o palmito pupunha, o tucupi e o mercadologicamente desconsiderado crustáceo Cavaquinha. Desse modo, 40 anos antes de se iniciar o movimento peruano, o chef francês intuitivamente já se guiava na direção do hoje aclamado modelo andino. Duas décadas depois daquele ano de 1979, o jovem chef brasileiro Alex Atala projetou-se como outro grande difusor dos valiosos — porém, esquecidos — ingredientes naturais destes trópicos. A exemplo de Laurent Saudeau, Atala também influenciou uma ativa geração de chefs que conectam o alimento à cultura.

Dispomos de todos os requisitos imprescindíveis a uma consistente política nacional de transformação da nossa gastronomia de “terroir” em produto turístico internacional. Os potenciais e decisivos parceiros desse grandioso projeto há mais de três décadas fazem parte do ambiente da Abrasel. Neste iminente 2020, realizaremos em agosto a 32ª edição do congresso
anual da nossa entidade, cujo cerne são as palestras e demonstrações de mesa ao vivo, com a presença de chefs oriundos das 27 unidades da Federação. O evento é promovido nas amplas e modernas instalações do Centro Universitário IESB, em Brasília, no qual se destaca uma das mais avançadas escolas de gastronomia do país, coordenada pelo chef Sebastián Parasole.

Agora, quando o Ministério do Turismo institucionaliza a Embratur como agência de promoção internacional, estão plenamente estabelecidas as condições para se ligar as pontas de um grandioso arranjo produtivo da gastronomia brasileira, compoderoso apelo global. Abrem-se ao mundo as cortinas de um maravilhoso espetáculo turístico chamado Brasil novo.


Paulo Solmucci é presidente executivo da Abrasel; membro do Conselho Deliberativo da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e membro da diretoria da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços

Fonte: Correio Braziliense.

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