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* Por Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel



Considerável parte dos analistas gasta bastante tempo apontando as rusgas entre uma ou outra liderança do Congresso e do Executivo, como se isso significasse desentendimentos nos dois poderes. Quando se dá importância a tais minúcias, deixa-se de enxergar o fio condutor da narrativa. O acontecimento de maior relevância é que, pela primeira vez que se tem notícia na história da democracia brasileira, o Poder Executivo não se desgasta em convencer o Congresso de que tem de ser levada adiante uma pauta de alto interesse nacional.

O que chamou a atenção do economista Pérsio Arida (e também de outros destacados personagens da cena política e econômica do país) é que, em volta das acessórias discordâncias, há a questão principal. Como o economista disse ao jornal O Globo e à revista Veja, o ponto central é o fato de as lideranças do Parlamento abraçarem as mesmas pautas priorizadas pelo Ministério da Economia. “Um Congresso que toma para si as reformas é uma circunstância inédita”. E completou: “Isso me deixa otimista”.

Mas, o que gerou essa convergência de pautas entre o Executivo e o Legislativo? As lideranças de ambas as esferas do Estado ouviram as vozes das ruas. A propósito, resumiu o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: “Não é todo dia que a gente vê multidões nas ruas pedindo reforma da Previdência”. Trata-se, aliás, de uma percepção que havia sido muito absorvida no mundo Abrasel, desde junho de 2013, quando multidões tomaram a Avenida Paulista, a pretexto da tarifa zero.

De lá para cá, houve incontáveis protestos pelo país afora. A Abrasel lançou em maio de 2015 um manifesto, intitulado ‘A partir das ruas, simplifica Brasil’, apontando respostas ao generalizado mal-estar. O âmago da questão foi identificado como a péssima qualidade dos serviços públicos de mobilidade, segurança, saúde e educação, consequência do Estado burocratizado, agigantado, inoperante e ineficaz.

A diretoria e associados da Abrasel passaram a verbalizar, abertamente, as causas das ruas. O desemprego já despontava como o problema mais grave. A entidade intensificou sua atuação junto à Frente Parlamentar do Comércio e Serviços, presidida pelo então deputado federal Rogério Marinho (PSDB/RN). Ele tornou-se o relator da reforma trabalhista. Nesta investida da Abrasel, formulou-se a proposta do contrato de trabalho intermitente, que foi incluído na reforma, aprovada em julho de 2017.

Depois de assumirmos por um ano a presidência da União Nacional de Entidades de Comércio de Serviços (Unecs), no dia 14 de agosto de 2018 realizamos em Brasília o evento ‘Diálogo com os Candidatos’, com os postulantes ao Palácio do Planalto e uma plateia de 400 convidados. Na saudação inaugural, registrei a nossa antevisão: “A Unecs expressa o sentimento de um Brasil inteiro que se viu, recorrentemente, traído em suas expectativas e agora exige, sem mais postergações, o cumprimento de uma agenda que conduza à superação do atraso”.

As ruas fazem parte do organismo da Abrasel. Por isso, em meio a muito ceticismo em relação à votação do texto-base da reforma da Previdência, que ocorreria daí a dois meses, a gente deu à Folha de S. Paulo a seguinte declaração, que causou estranheza entre vários analistas. “’A reforma da Previdência, quando você conversa com o deputado, quando conversa com as frentes [parlamentares], quando conversa com cidadão, ela já é dada como passada. Nós queremos saber é o tamanho dela. E esse tamanho eu também acho que está muito bem ancorado em R$ 1 trilhão’, acrescentou Solmucci”. O milagre aconteceu, e vai se repetir daqui para frente. O milagre das ruas.

Fonte: Revista Bares & Restaurantes, edição 128.
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