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* Por Paulo Solmucci, presidente executivo da Abrasel para o UOL



O principal motivo das altas taxas de juros no Brasil é a soma da concentração bancária com a verticalização, isto é, poucas empresas se juntando para controlar todos os elos de um mesmo negócio. A dupla incidência de concentração/verticalização ocorre muito claramente no segmento de cartões de crédito, mas há acentuadas evidências dela em áreas menos perceptíveis à sociedade brasileira.

Chega-se ao extremo de os bancos administrarem a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP). Os mais elevados juros do mundo são apenas o sintoma da falta de autêntica competição no mercado financeiro. A CIP, criada em abril de 2001, é uma instituição de 41 bancos acionistas, operando sob o controle normativo e fiscalizador do Banco Central. Nela, processam-se diariamente os boletos e as transferências bancárias do país inteiro. O resultado dessa entrelaçada teia de controles sobre o mercado é que os cinco maiores bancos concentram 80% de todas as operações de crédito do país.

É preciso desverticalizar, como os americanos há tempo já fizeram. E tem de se começar por um dos pontos nevrálgicos do sistema, que é o dos meios de pagamento. Nos Estados Unidos, bancos não podem se associar a marcas (bandeiras) de cartão de crédito. E, se emitem marcas de terceiros, não podem participar dos negócios de credenciamento dos lojistas. Criaram-se barreiras intransponíveis, impedindo-se qualquer possibilidade de acordos velados entre duas ou mais partes, em prejuízo de terceiros. Ou seja, cada macaco no seu galho. A isso se dá o nome de desverticalização.

Pois bem. Os bancos sediados no Brasil iniciaram, no dia 4 de dezembro, uma gigantesca campanha publicitária com 21 propostas para baixar os juros no país. Todavia, apenas uma das propostas está na alçada dos bancos, e, mesmo assim, apenas em parte: a que sugere a regulamentação para uma forma de crediário, na qual o cliente poderia dividir em várias parcelas o pagamento da compra feita por meio do cartão de crédito, pagando juros a partir da primeira parcela. E daí, cara pálida? A verticalização continua.

O memorável economista Roberto Campos disse certa vez que as estatísticas são como o biquíni: o que revelam é interessante, mas ocultam o essencial. Os bancos veiculam uma campanha biquíni, apontando o rol de 21 problemas a serem corrigidos, sem mencionar a verticalização.

No dia 4 de dezembro, aprovou-se no Senado relatório da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) reconhecendo a existência de práticas de verticalização. Imediatamente, o relatório foi enviado à nossa autarquia antitruste, o imprescindível Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), recomendando-se providências para que se desverticalize o sistema financeiro do país. Em linguagem direta, é o seguinte: que se proíbam empresas de se unirem em um mesmo grupo para controlar os elos de uma cadeia de negócios, cujo exemplo mais emblemático é a cadeia dos cartões de crédito.

De repente, não mais que de repente, na manhã seguinte à aprovação do relatório do Senado, os integrantes do Tribunal de Contas do Cade imediatamente recomendaram que se abrissem procedimentos internos de investigação de práticas "anticompetitivas no mercado financeiro e de meios de pagamentos eletrônico, em especial os efeitos decorrentes da verticalização do setor". O bambu começou a gemer.

Pois bem. Eis que o atual presidente do BC, Ilan Goldfajn, concede entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada em 2 de janeiro. Nas entrelinhas, acaba sinalizando que a desverticalização está a caminho. Disse que este "não é o momento". Porém, acrescentou: "O momento é 'segue o caminho', a competição está duríssima, vamos só na mesma linha que a gente vai chegar lá".

O assunto está na mesa do novo governo. Sabemos muito bem qual é a disposição do ministro da Economia, Paulo Guedes. Em encontro que tivemos, antes de sua posse, ao falarmos sobre sistema financeiro e verticalização, dele ouvimos: "A eficiência da economia vem da competição. Competição. É o que queremos, é o que queremos". De acordo, ministro. Plenamente de acordo.

Fonte: UOL

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